quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Resenha: Dom Casmurro - Machado de Assis (Luiz)!

Obs: As notas de rodapé foram colocadas após a resenha e antes das referências.

      O livro Dom Casmurro é constituído de 148 capítulos e uma narração composta por um personagem complexo. Tão complexo que apenas seu ponto de vista é narrado através de três pessoas diferentes nomeadas conforme a sua idade. Uma hora intitula-se Bentinho, outra Bento, e, por fim, Dom Casmurro. O primeiro é uma criança inocente que vê Capitu apenas como uma grande amiga. Já Bento percebe que gosta mais da jovem do que como amigo, mas tem ciúmes de amigo por ela. Nada muito “sério” (piadas à parte). Com Dom Casmurro é diferente, após a tragédia do capítulo CXXI Bento se torna amargo e perde o juízo da realidade. Começa a ficar neurótico com atos da mulher e chega a ponto de quase matar o próprio filho. Ele, Casmurro, é responsável por contar a história de uma suposta traição desenvolvida por Capitu e Escobar. Entretanto, o que faz o leitor acreditar nessas desconfianças se o próprio narrador se diz com memórias falhas e está em pleno delírio (Quincas Borba) ao escrever estes relatos?
     Dom Casmurro nos apresenta cada personagem com um capítulo exclusivo ou uma grande parte deste. Somente no fim do romance é que se pode perceber o quão influente e profunda a narrativa com esses personagens se torna. Não pretendo me alongar muito na descrição de todos, somente naqueles que regem a trama principal. O laço que você, caro leitor, pode criar com cada um deles é surpreendentemente imperceptível e … doloroso. A começar por D. Glória, mãe de Bentinho. Uma mulher católica que no nascimento do filho faz uma promessa de que quando crescesse se tornaria padre. Aparenta ser uma mulher decidida e que não incomodaria muito os homens da época pela sua rebeldia, contudo, desde o início do enredo ela cria o seu filho sozinha1 já que o marido havia falecido.


        Citando o agregado, porque não falar do homem que ama usar superlativos em sua vida. José Dias, homem que acompanha a família até quase o desfecho da história e que tenta ajudar Bentinho de algumas formas durante a sua vida. Machado de Assis construiu esse personagem de tal modo que quando se está envolvido em uma cena e José Dias começa a falar, colocando um superlativo na sentença, as chances do leitor se animar são bem prováveis. Com o passar das páginas a história fica cada vez mais melancólica que a tensão de algumas cenas só se é quebrada por esse personagem singular. Até mesmo em momento de tristeza para o leitor ele utiliza suas palavras amadas. Tais como a sua última: Lindíssimo. Digo que ele é o tipo de pessoa que você convida a entrar em casa, serve um café e não quer deixar de conversar tão cedo. Porque sabe que José Dias vai lhe dar conselhos úteis ou aliviar a tensão do clima, na pior das hipóteses vai lhe falar um superlativo majestosíssimo.
    Com olhos de ressaca, Capitolina (Capitu) se mostra uma mulher empoderada e decidida. Ela aparenta mirar um caminho e lutar com o máximo de estratégias que conseguir até alcançá-lo. No caso, seu objetivo seria conseguir independência econômica e sem muito esforço. Ou seja, precisava de um marido rico para lhe garantir as duas coisas e depois poderia viajar e viver o quanto quisesse e sem preocupar com os outros e as despesas. É uma mulher segura, isso é mostrado em alguns trechos em que quem vive a cena é Bento, como àquelas em que ela engana D. Glória dizendo que Bento seria um bom padre no futuro. Isso para esconder que os dois, supostamente, se amavam. Mal sabiam eles que estava tudo planejado na cabeça dela para ter um futuro seguro e estável. Não que ela não amasse Bento, mas as vezes a máscara estratégica subia-lhe a cabeça.
    De que bastam estratégias para segurar Bento se existia um terceiro. Escobar. O título do capítulo CXIII, Embargos de um terceiro, poderia ser uma metáfora para dizer que havia um terceiro na relação entre Bento e Capitolina. No caso, o terceiro elemento seria Escobar. Um homem que Bento conheceu no seminário, que abraçou, que acariciou os braços, que descreveu os olhos, que supostamente … amou. Ao apalpar os braços de Escobar, Bento sente algo diferente que diz ser inveja, mas será mesmo?
Tenho entrado com mares maiores, muito maiores. Você não imagina o que é um bom mar em hora bravia. É preciso nadar bem, como eu, e ter estes pulmões, disse ele batendo no peito, e estes braços; apalpa.
Apalpei-lhe os braços, como se fossem os de Sancha. Custa-me esta confissão, mas não posso suprimi-la; era jarretar a verdade. Não só os apalpei com essa idéia, mas ainda senti outra coisa; achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar. (ASSIS, Machado de. Dom Casmurro; - [Ed. especial]. Capítulo CXVIII; A mão de Sancha; P 162)
     Continuando essa linha de pensamento, vamos a Dom Casmurro. Ele é o responsável por descrever a história do começo ao fim, mostrando ao leitor as grandes diferenças na sua personalidade e algumas semelhanças que os anos escondem. Ou não. A sua fixação pelo ciúme com Capitu cresce aritmeticamente até o momento que seu melhor amigo, Escobar, morre. Após essa catástrofe – como ele escreve no livro –, o crescimento transforma-se automaticamente em P.G. (progressão geométrica)2 essa loucura. Como confiar em um escritor que deixa indícios na narrativa que não tem palavra. Ele próprio escreve “É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.” (ASSIS, Machado de. Dom Casmurro; - [Ed. especial]. Capítulo LIX; Convivas de boa memória; P 91). Uma pessoa que se faz de promessas não cumpridas pode realmente contar uma parte da história de sua vida com total fieldade? Ou gerar a dúvida da famosa suposta traição que poderia ser uma máscara para reprimir uma paixão por outra pessoa. Por um homem. No trecho a seguir ele escreve que desde pequeno não era um homem de palavra.
A soma era enorme. A razão é que eu andava carregado de promessas não cumpridas. A última foi de duzentos padre-nossos e duzentas ave-marias, se não chovesse em certa tarde de passeio a Santa Teresa. Não choveu, mas eu não rezei as orações. Desde pequenino acostumara-me a pedir ao Céu os seus favores, mediante orações que diria, se eles viessem. Disse as primeiras, as outras foram adiadas, e à medida que se amontoavam iam sendo esquecidas. Assim cheguei aos números vinte, trinta, cinqüenta. Entrei nas centenas e agora no milhar. Era um modo de peitar a vontade divina pela quantia das orações; além disso, cada promessa nova era feita e jurada no sentido de pagar a dívida antiga. Mas vão lá matar a preguiça de uma alma que a trazia do berço e não a sentia atenuada pela vida! O Céu fazia-me o favor, eu adiava a paga. Afinal perdi-me nas contas. (ASSIS, Machado de. Dom Casmurro; - [Ed. especial]. Capítulo XX; Mil padre-nossos e mil ave-marias; P 37)


      Ele via todos, e ao mesmo tempo, não via a si próprio. Era uma confusão pois pensava que estava normal. Foi quando se deu conta que os outros eram muito parecidos com a aparência dele naquele momento, porém não eram a sua essência. O jovem tira a máscara do momento que engana a sua percepção do mundo e volta a ver a realidade que um dia estava clara e desmascarada perante seus olhos. Talvez essa realidade poderia ter sido eterna se ela não se deixasse enganar pelas máscaras e pelos estranhos pontos de vista de uma história confusa. Se as máscaras são os padrões, o homem ver todos iguais a ele e todos se veem iguais. Cada um com a sua perspectiva de mundo. Porque nada é mais embaraçoso para uma máscara padronizada do que um conjunto de máscaras iguais a ela. Como se a vida fosse uma interpretação dos romances escritos e não o contrário. A diferença se dá no término do horário e ao mesmo tempo a semelhança. Pois se o término for uma conversa, a máscara padronizada continua após seu fim. Entretanto, se o término for a morte, após ela a máscara é caída e restará apenas uma dicotomia opressora. O morto será bom ... ou ... mal3. Com isso explico a neura de Dom Casmurro com a suposta traição. Ele constrói ao leitor uma visão de Capitu que mostra ela como um morto mal, em que ela convence Bentinho e Bento de fazer coisas que ele não faria em situações normais. Ela o faz usar uma máscara que acaba sendo absorvida já que ele é um tolo apaixonado. A obra acaba por ter seu assunto centrado no jogo de máscaras. Sobre adotar o rosto (o visual, o comportamento, as ideias, a aparência, os modelos, os padrões, os valores) que a sociedade impõe. Sobre vestir a máscara que é socialmente aceita, que é aplaudida e elogiada e privilegiada, mas que, simultaneamente, esconde o verdadeiro rosto de cada um. Exemplificando, retorno ao primeiro parágrafo desta resenha em que disse que há um personagem dividido em três pessoas (Bentinho, Bento e Dom Casmurro). Bentinho seria o ser livre de máscaras já que é a lembrança vívida de sua infância. Segundo Eduardo Lourenço (2011), é no sentimento de saudade relacionado à memória que guardamos nossas melhores lembranças. Principalmente as de quando éramos crianças, pois o que vemos são flashes de alguns momentos da vida e não o cotidiano. Logo, a distorção dos fatos é algo esperado.
     Defendo a teoria de que a relação de Dom Casmurro era composta de um triângulo amoroso entre ele, Capitu e Escobar. Mas não como ele aparenta abordar (ele sendo o traído), e sim o casamento dele com Capitu e o romance desde o seminário com Escobar. Se o leitor voltar a ler com cuidado perceberá que após a morte de seu melhor amigo, Bentinho fica mais amargo, frio e louco. A frieza com que ele fala de algo seja o que for e com quem for é uma forma de se distanciar de algo que o machuca, uma forma de se distanciar desse sofrimento da perda do amigo/antigo namorado. De se colocar, linguisticamente (e portanto, psicologicamente) longe e desconectado desse sofrimento específico. Assim, não sentido e tornando isso um mecanismo de defesa quando se não se quer permitir sofrer ou ser afetado por algo.
     Por fim, respondendo a clássica pergunta feita pelos professores de literatura do Ensino Médio referente à traição, particularmente, entendo a obra como um jogo complexo de máscaras que possibilita diversas teorias diferentes. Entretanto, após algumas evidências prefiro defender a presença de um teor de loucura que faz com que a crença no narrador não seja fácil. A mesma loucura que atacou Quincas Borba (humano) e Rubião4 acaba por atacar Dom Casmurro. Contudo, o motivo é outro. Aqui, ele aparenta ser a perda de seu grande e estimado amigo.
Notas:
1. Sozinha não é a palavra que melhor define a situação dela pois tinha pessoas que ajudavam na criação, como José Dias. A palavra está sendo utilizada mais no sentido de não ter o apoio moral/social do marido ao seu lado.
2. Progressão Aritmética seria quando algo cresce a partir da soma, de um em um. Logo, é um crescimento lento e gradual. Já na Progressão Geométrica o crescimento é a partir da multiplicação, ou seja, 2; 4; 8; 16 … Assim, após a morte de Escobar a cabeça de Dom Casmurro perde-se a cada capítulo com mais frequência e mais força chegando a loucura que é a narração deste livro.
3. Referência ao romance de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás cubas, em que o protagonista conta a sua vida após a sua morte. Teoricamente sem ter medo de falar algo indevido, já que a vida é algo tão vago para ele no momento.
4. Referências aos romances Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba escritos por Machado de Assis em tempos diferentes mas que alguns colegas defendem como uma trilogia, considerando Dom Casmurro o terceiro volume

Referências Bibliográficas
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro; - [Ed. especial]. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.

ASSIS, Machado de. Obra Completa, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

BIBLIOTECA DIGITAL e BANCO DE DADOS DE HISTÓRIA LITERÁRIA – NUPILL . http://www.literaturabrasileira.ufsc.br / HTTP://www.machadodeassis.ufsc.br.

LOURENÇO, Eduardo. O tempo português. In.: _____. Portugal como destino seguido de Mitologia da Saudade. 4.ed. Lisboa: Gravita, 2011, p. 87-94.
LOURENÇO, Eduardo. Romantismo, Camões e a saudade. In.: _____. Portugal como destino seguido de Mitologia da Saudade. 4.ed. Lisboa: Gravita, 2011, p. 143-154.

2 comentários:

  1. Olá Luiz! Eu simplesmente amo esse livro de paixão, é um daqueles clássicos que moram no nosso coração e merecem ser sempre relidos!
    Adorei a resenha!

    Te indiquei numa tag lá no blog, depois dê uma olhadinha: http://paixaodeleitora.blogspot.com.br/2016/01/tag-esse-ou-esse.html

    BeiJU!

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    1. Oi, sim, esse livro é muito bom! Que bom que gostou da resenha, fico feliz.
      Pode deixar que vou olhar o post que você fez em seu blog. Obrigado!
      Beijão!

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